Wednesday, June 07, 2006

O projecto da Alice



Para o Espaço T pensei primeiro no trabalho das garbage Story’s, refazê-lo no espaço, com o lixo que ainda houvesse e construir várias camadas de imagens, sobrepostas.
Não sei como fui parar à Alice. Acho que quando vi o espaço, o quarto, pensei que finalmente tinha a possibilidade de construir o quarto da Alice.
Fotografia quer dizer a escrita da luz.
Uma aparente e real barreira de dificuldade em transcrever, tornar visiveis para quem não vê as imagens, estas e outras, quaisquer outras.
Procurei e encontrei processos de transposição, alto-relevo em papel e outros materiais.
Encontrei um fotógrafo cego, mas que trabalha no campo do visível.
Encontrei referência a uma exposição de um fotógrafo português em alto relevo, mas não consegui encontrar imagens.
Como veem as imagens, aqueles que não veem?
Depois da primeira conversa no Espaço T com o Joaquim, percebi que a exposição teria de ser fisica, mais do que imagens na parede, dai talvez ter pensado no quarto da Alice.
Numa conversa ao fim da tarde disse-me ‘ tocar e sentir é o nosso ver’.
Tenho andado de volta das imagens da Alice, do quarto, dos sons, de como posso transformar uma sombra preta numa pele branca numa outra sensação para além da visual, aliás, como posso provocar com outro sentido aquele estímulo que me provoca olhar para uma sombra preta numa pele branca, ao lado de um fio de cabelo?
Tenho pensado também que a fotografia também poderá muito bem não ser a forma de expressão mais adequada para este fim e ponto final.
E de repente penso em pequenos grupos e em como a grande parte dos trabalhos se esgotam rapidamente, a partir do momento em que saiem daquele pequeno grupo…
O que quero dizer com este trabalho, porque o fiz eu afinal?
Afinal Alice, Ana, ou quem quer que seja a rapariga?
Fiz este conjunto de imagens numa fase claustrofóbica da minha vida.
Vivia com o meu namorado, não tinha trabalho, não estudava, não tinha dinheiro, vivia um dia a seguir ao outro, sem grande vontade nem desejo.
Comecei a fotografar-me nessa casa, que ao mesmo tempo que me provocava conforto me aprisionava e da qual não tinha vontade de sair.
Nua porque era verao, porque estava sozinha, por causa do desejo, porque provavelmente procurava uma imagem de mim que me reconfortasse, que me fizesse gostar de olhar para mim, gostar de mim, que me fizesse acreditar que apesar de não me sentir feliz, nem realizada nem útil nem nada, me fizesse de alguma forma acreditar em mim.
E tudo isto tem sentido para mais alguém?
Este mundo pós-supra- ou lá o que seja-moderno, blogueiro, internético-digital aguenta mais destas auto-confissões representadas de mulheres e homens que às vezes ainda se chamam de jovens?
Que não sabem o que fazer com a vida que tem e que se queixam o tempo inteiro da puta da sorte, mesmo que tenham de facto uma vida facilitada?
Precisava de fechar este trabalho, de acabar esta história, esta Alice.
As minhas fotografias, histórias são uma parte dos meus fantasmas e preciso de os recriar e mostrar para eles partirem.
Eu uso a fotografia para me tentar resolver, compreender.
Não sei se é ético, correcto, mas também não quero saber.
Só sei que o tenho de fazer.
Para os visitants cegos, passei as fotografias para desenho que depois passámos a alto relevo.
Depois de testes no Instituto S Manuel, percebemos que o melhor era haver também uma legenda descritiva em Braille de cada imagem.
Dentro do quarto existem sons, sons de uma casa, de mim nessa casa, feita de várias casas.
Mas na exposição o som está muito baixo e é abafado pelos sons dos outros quartos.
Existe uma cama e um sofá, porque preciso de estar parada, deitada, preciso de ler, escrever, ouvir, chegar a conclusões e faço-o muito melhor sentada e deitada.
Na inauguração odiei estar no Espaço, não gostei da relação entre as pessoas, ouvi comentários horriveis, não gostei da grande parte dos projectos, senti que tudo era um bocadinho farsa, inclusivé o meu trabalho, que de repente deixou de fazer qualquer sentido.

Um agradecimento ao Instituto S.Manuel (Ana Pinto/Santos/Teresa/Cecilia) e ao workshop intensivo que me deram sobre cegueira, Braille e alto relevo.
E porque nem todas as histórias mesmo que tenham de ser vividas não tem de ter um final feliz.

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